Voltar a ganhar peso depois da cirurgia bariátrica não é incomum, mas é preciso atenção. O problema é quando esse reganho compromete, mais uma vez, a qualidade de vida do paciente
Para muitas pessoas que convivem com a obesidade, a cirurgia bariátrica representa uma verdadeira virada de vida. Reconhecida como uma ferramenta eficaz e cada vez mais segura, ela costuma despertar expectativas de transformação profunda. No entanto, mesmo após o procedimento, é comum surgirem dúvidas, principalmente sobre o que pode acontecer com o passar dos anos.
Um dos questionamentos mais frequentes é sobre o reganho de peso. Anos depois da cirurgia, esse retorno dos quilos perdidos pode gerar frustração e insegurança. Mas será que isso significa que a cirurgia falhou?
De acordo com o médico Ricardo Cohen, head do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente mundial da Federação Internacional para Cirurgia de Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO – International Federation for Surgery of Obesity and Metabolic Disorders), a resposta é mais complexa e envolve entender que obesidade é uma doença crônica, multifatorial e progressiva.
No passado, o diagnóstico da obesidade era feito com base no índice de massa corporal (IMC). Mas esse cenário mudou. Os critérios foram atualizados, e outros fatores também entram na avaliação. “As definições de obesidade mudaram. Ela é caracterizada pelo acúmulo de gordura, que pode ser medido não só pelo IMC, mas também por outros parâmetros, como a circunferência da cintura, a relação cintura-quadril e, principalmente, pela presença de sintomas associados, como cansaço, apneia do sono, hipertensão e alterações menstruais. Não basta olhar apenas o peso na balança”, explica Cohen.
Ou seja, a obesidade é uma condição que vai além dos números. Ela vem acompanhada de sinais e sintomas, o que significa que uma pessoa com sobrepeso pode não receber o diagnóstico de obesidade, enquanto alguém com IMC dentro da faixa considerada normal pode, sim, ser diagnosticada com a doença, caso apresente manifestações clínicas associadas.
Reganho de peso: comum, mas nem sempre relevante
Uma das maiores preocupações de quem faz cirurgia bariátrica é o risco de voltar a ganhar peso com o passar do tempo. Cohen explica que o reganho pode acontecer, porém isso não significa, por si só, que o tratamento tenha falhado.
“Não se deve considerar o reganho de peso apenas pelo número na balança. Se a pessoa perdeu 40 quilos e ganhou 10, mas não tem sintomas, então esse reganho pode não ter significado clínico nenhum”. O mais importante, segundo ele, é avaliar se o peso recuperado está afetando a saúde e o dia a dia da pessoa. “Só consideramos um problema se houver sinais e sintomas da obesidade junto com o ganho de peso. Caso contrário, é injusto com o paciente”.
O que causa o reganho?
Muita gente, ao ver o ponteiro da balança subir, sente culpa ou vergonha. Mas, como destaca o médico, esse tipo de pensamento é injusto e reforça estigmas que apenas sobrecarregam o paciente. “Isso é um preconceito desgraçado contra quem tem obesidade. Culpar a pessoa é devolver a ela a responsabilidade por algo que tem agressividade biológica”.
De acordo com o especialista, o reganho de peso não está necessariamente ligado a comportamentos inadequados, como escolhas alimentares ruins ou consumo excessivo de comida. Na verdade, ele explica que a recuperação do peso tem relação direta com a própria biologia da obesidade. “Não se trata apenas de comer menos e se exercitar mais. Isso, sozinho, não resolve a obesidade. O que determina o sucesso do tratamento é como a doença se manifesta biologicamente em cada pessoa”.
Ele compara a condição ao câncer: “Duas pessoas com o mesmo tipo de câncer podem ter evoluções completamente diferentes. Com a obesidade, é a mesma coisa”.
O que fazer quando o peso volta?
Quando um paciente que já passou por cirurgia bariátrica volta a apresentar sintomas relacionados à obesidade, a primeira linha de tratamento costuma ser medicamentosa, e não uma nova operação. “Hoje, a primeira opção é sempre o uso de medicações modernas. Temos remédios que funcionam muito bem, inclusive com eficácia ainda maior em pacientes já operados. Em até 95% dos casos, conseguimos reverter o reganho de peso com medicamentos”, afirma o médico.
A reoperação é reservada para casos específicos, como quando o procedimento inicial não se mostrou eficaz diante do quadro clínico do paciente. Cohen cita um exemplo recente: “Atendi uma paciente com artrite reumatoide, uma doença inflamatória. Ela havia feito uma gastrectomia vertical, mas o bypass gástrico tem um efeito anti-inflamatório mais potente. Realizamos o novo procedimento e, em apenas dois meses, a inflamação já havia diminuído”.
Tratamento por toda a vida
Como toda condição crônica, a obesidade exige acompanhamento contínuo e cuidados ao longo da vida, com o suporte de uma equipe multiprofissional, com endocrinologista, nutricionista, psicólogo e profissional de Educação Física. “O paciente precisa entender que pode voltar a precisar de tratamento, assim como ocorre em outras doenças crônicas. Quem faz uma cirurgia de mama por câncer, por exemplo, pode precisar de radioterapia depois. A lógica é a mesma”, explica Cohen.
A presença do psicólogo é especialmente importante nesse processo. Ele ajuda o paciente a lidar com as mudanças de comportamento, além de trabalhar aspectos emocionais como a culpa e o estigma ainda muito associados à obesidade.
Para quem já fez a cirurgia bariátrica e voltou a ganhar peso, o recado do Dr. Cohen é direto: “Não se culpe. Procure seu médico. Obesidade é uma doença crônica, e o reganho de peso pode ser tratado com sucesso. O mais importante é olhar para os sintomas, para a qualidade de vida e não apenas para o número na balança”.