Quem cuida de quem cuida da pessoa com demência?

Data: 05/01/2023 Publicado em: VIDA & AÇÃO / RIO DE JANEIRO

Pelo menos 45% dos cuidadores de pessoas com demência apresentam sintomas psiquiátricos de ansiedade e depressão, 71,4% apresentavam sinais de sobrecarga relativa ao cuidado, 83,6% exerciam o cuidado de maneira informal e sem remuneração. Os dados foram divulgados pelo Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (Renade), do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a partir da iniciativa do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).

O estudo revelou que as pessoas responsáveis pelos cuidados estão sobrecarregadas e que, na maior parte das vezes (85%), são mulheres. “Há uma cultura da mulher cuidar para o resto da vida. Entendo que é uma questão cultural”, diz a psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto Renade.

De acordo com a OMS, um trilhão de dólares foram destinados ao cuidado de pessoas com demência no mundo em 2019. Nos países com menos recursos, como o Brasil, a maior parte dos custos advém do cuidado informal provido por familiares, em geral mulheres, cuja saúde e renda são colocadas em risco.

É o que revela o relatório do projeto Renade, ao enumerar custos diretos em saúde, como internações, consultas e medicamentos, e também os recursos indiretos, como a perda de produtividade da pessoa que é cuidadora. “As atividades relacionadas ao cuidado e supervisão da pessoa com demência consomem uma média diária de 10 horas e 12 minutos”, aponta o relatório.

“Isso envolve horas de dedicação para o cuidado. A pessoa, por exemplo, pode ter que parar de trabalhar para cuidar. Isso tudo envolve o que a gente chama de custo informal. É importante que se ofereça um apoio para a família”, afirmou a .
O estudo também apontou que pelo menos 73% dos custos que envolvem o cuidado de pessoas com demência no Brasil ficam para as famílias dos pacientes. Esses custos podem chegar a 81,3% por parte do familiar a depender do estágio da demência.

O estudo chama a atenção para que, dentro dessa amostra, 51,4% dos pacientes utilizaram, em algum momento, o serviço privado de saúde, 42% não utilizavam nenhum tipo de medicamento para demência. Somente 15% retiravam a medicação gratuitamente no SUS.

Olhar para o cuidador

A médica Cleusa Ferri avalia que é necessário aumentar o número de serviços de qualidade que atendam às necessidades da pessoa com demência e também dos parentes. “O familiar pode até ser um parceiro do cuidado. Mas precisamos também pensar nesse cuidador”.

A psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto Renade no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em entrevista à Agência Brasil.

Para elaboração do estudo, os pesquisadores entrevistaram 140 pessoas com demência e cuidadores de todas as regiões do país, com média de idade de 81,3 anos sendo 69,3% mulheres. Os dados foram coletados com pessoas em diferentes fases da demência.

Subdiagnóstico de pessoas com demência

De acordo com a pesquisadora, o Brasil contabiliza cerca de 1,8 milhão de pessoas com demência e a projeção é que esse número triplique até 2050. Desse contingente, 80% delas não estão diagnosticadas, um cenário que não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o subdiagnóstico chega a ser de mais de 50% e na América do Norte, mais de 60%.

“A taxa de subdiagnóstico é grande. Temos muitas pessoas sem diagnóstico e, portanto, sem cuidado específico para as necessidades que envolvem a doença. Então, esse é um desafio muito importante”, afirma a especialista.

A pesquisadora acrescenta que a invisibilidade da doença é outro desafio. “Temos muito para aumentar o conhecimento, deixar mais visível. A falta de conhecimento da população sobre essa condição precisa ser enfrentada”. Nesse contexto, a invisibilidade também ocorre diante das desigualdades sociais. Ela falou da necessidade de melhorar as políticas públicas para aumentar o conhecimento da população sobre a demência.

“Há uma questão de estigma também. As pessoas evitam falar do tema e procurar ajuda”. Essa situação, na avaliação da pesquisadora, também contribui para dificuldades para conscientização, treinamento de cuidadores e busca por apoio.
Demência deve triplicar até 2050, diz OMS.

O rápido envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. A demência – uma condição usualmente progressiva que afeta as funções cognitivas e a capacidade de realizar tarefas diárias – é mais comum nos idosos, mas não é parte do envelhecimento normal. Atualmente, mais de 55 milhões de pessoas no mundo vivem com essa condição e estima-se que, em 2050, aumentará para mais de 150 milhões.

Além disso, de acordo com o relatório de atualização sobre o cenário global da demência, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em setembro de 2021, apenas um quarto dos países possuem políticas, estratégias ou planos nacionais para apoiar estes pacientes e suas famílias.

No Brasil, a maioria das pessoas com demência depende do cuidado oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Assim como em outras regiões do mundo, o aumento de casos no país aponta a urgência de uma resposta dos serviços de saúde para atender as necessidades deste grupo.

Compreender a real situação da doença é fundamental para o cuidado: “O nosso país envelhece muito rapidamente. É esperado que, em 2050, um terço de nossa população tenha mais de 60 anos, e, apesar da demência não ser parte do envelhecimento natural, é muito comum nessa fase da vida e requer atenção especial”, diz a médica.

Mais sobre o Relatório Nacional sobre a Demência

Com base nisso, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI–SUS), em parceria com o Ministério da Saúde, elaborou o Relatório Nacional sobre a Demência (Projeto ReNaDe). O estudo foi executado pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, uma das seis instituições de excelência que compõem o programa.

“Com o ReNaDe, pretende-se definir o real cenário e contribuir para preparar o SUS no sentido de atender as necessidades das pessoas com demência e seus familiares”, diz Cleisi.

O objetivo é apresentar um panorama atual da situação entre os brasileiros, incluindo as necessidades e os custos do cuidado, bem como os investimentos nacionais em pesquisas sobre o tema. A iniciativa procura, através dos seus resultados, subsidiar tomadas de decisão em ações voltadas às pessoas com demência e seus familiares, incluindo a adequação de políticas públicas e o incentivo à produção de pesquisas sobre a temática.


Conteúdo relacionado

Você tem várias formas de agendar consultas e exames:

AGENDE POR MENSAGEM:

WhatsApp

Agende sua consulta ou exame:

Agende online
QR Code Agende sua consulta ou exame

Agende pelo app meu oswaldo cruz

App Meu Oswaldo Cruz disponível no Google Play App Meu Oswaldo Cruz disponível na App Store