O poder do beijo

Data: 13/04/2024 Publicado em: CORREIO BRAZILIENSE/BRASÍLIA

Um casal com seus corpos entrelaçados e cobertos em mantos elaborados com cores vivas e reluzentes, onde os limites de um e outro se mesclam, transformando-os em um só. O rosto do homem não é revelado, ele beija a face de uma mulher, e suas mãos, gentilmente, abraçam-na em seu rosto. Os olhos da mulher estão cerrados, enquanto um de seus braços envolve o pescoço do homem, e o outro repousa gentilmente sobre sua mão. Assim, desde 1908, a obra O Beijo, do pintor GustavKlimt, cativa seus espectadores com a imagem de dois amantes em um momento de intensa ternura. Além das razões técnicas, estéticas e de estilo artístico, o poder dessa obra está em sua sensibilidade de revelar uma singela cena de afeto evocando idéias de amor, intimidade, sensualidade e sexualidade.

A demonstração física do afeto é uma ferramenta necessária na construção de laços interpessoais, é a maneira como nos comunicamos corporalmente com quem nos relacionamos. Mas, mais do que um canal de comunicação sensorial entre as pessoas, a demonstração do afeto é necessária para a formação de nossa identidade e para o desenvolvimento cerebral.

Um evento histórico e trágico que comprova a importância do afeto no desenvolvimento infantil e individual é o desfecho da política de estímulo ao aumento das taxas de natalidade na Romênia sob a ditadura comunista de Nicolae Ceausescu, entre as décadas de 1960 e 1980, e que levou ao número assustador de 170 mil crianças morando em orfanatos quando da deposição do regime em 1989. A crise política e econômica vivida pelos romenos à época levou tais instituições a negligenciar os cuidados básicos infantis, sem haver espécie alguma de troca afetiva com as crianças. O resultado nefasto disso, avaliado em pesquisas subsequentes, foi a constatação de deficits intelectuais, dificuldade dessas crianças em identificar expressões afetivas e alterações comportamentais com prejuízos significativos na vida adulta.

Desde o primeiro dia de vida, a interação do bebê com seus cuidadores transforma-se em uma ferramenta fundante para o desenvolvimento cerebral: conversas, olhares, colo, beijos e afagos são determinantes para o desenvolvimento biológico adequado. Por meio do afeto, construímos nossa rede neural que implicará desenvolvimento emocional e cognitivo futuro. A experiência de emoções, sentimentos e afetos positivos é peça estrutural para o desenvolvimento das características de resiliência, do florescimento intelectual, da vitalidade, do bem-estar e da vivência de felicidade. Em última análise, contribui para o bem-estar físico e emocional. No nível neuroquímico, isso ocorre por uma intrincada relação entre neurotransmissores, neuropeptídeos e hormônios em vias cerebrais relacionadas à experiência do prazer, da recompensa e de outras emoções positivas.

Dentre as demonstrações de afeto, o beijo tem papel de destaque tanto pela variedade de seus significados como pela complexidade biológica de seu ato. A boca humana é a região em que a pele é mais fina e, ao mesmo tempo, densamente inervada por neurônios sensoriais. Quando uma pessoa une seus lábios com os de outro alguém, nesse ato, há uma intensa troca de estímulos táteis, aromas, sabores e emoções; informações essas carregadas quimicamente por moléculas relacionadas ao sistema imune, hormonal e da neurotransmissão cerebral do indivíduo. Tudo isso desencadeará uma série de sensações intensas, prazerosas e até mesmo físicas em ambas as pessoas.

Essa fusão de corpos transmite dados processados tanto no nível consciente como inconsciente do indivíduo. Um beijo pode carregar consigo significados sociais diversos: ser amoroso, social, afetuoso, erótico e até mesmo transmitir emoções falsas. Mas, quando o ato de beijar alguém é motivado por emoções positivas, isso repercute na própria vivência de bem-estar, na diminuição das taxas relativas de substâncias corporais associadas ao estresse, estimula áreas cerebrais relacionadas a centros de prazer, intensificando a experiência que motivou o comportamento do beijo em um ciclo vicioso, mas também virtuoso.

A anatomia de um beijo é bastante complexa e, mais do que destrinchada em sinapses dopaminérgicas (neurotransmissão que promove sensação de humor e prazer), produção de ocitocina, redução do cortisol e ativação de áreas cerebrais em nosso sistemalímbico e córtexpré-frontal, um beijo precisa ser vivido. Desejo que você, caro leitor, possa celebrar o dia do beijo desfrutando de muitas vivências afetuosas. Afinal de contas, seja pela intuição, seja pela ciência: beijar faz bem.

ALAOR CARLOS DE OLIVEIRA NETO Coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

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