Estimativas de órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam para o crescimento no número de casos de câncer colorretal na população mais jovem.
Embora existam diversos fatores por trás desse movimento, destacam-se a obesidade e a má qualidade da alimentação. Uma pesquisa chega, agora, para reforçar o elo entre a dieta e esse tipo de tumor, que acomete parte do intestino, o cólon, e o reto. O trabalho, realizado por cientistas de universidades inglesas e chinesas, foi publicado no periódico Nutrients e elenca alimentos e nutrientes – para o bem e para o mal.
“Trata-se de um grande estudo, que traz dados de mais 118 mil participantes, em um período de 12 anos”, avalia o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). Entre os componentes protetores, há destaque para sais minerais, caso do cálcio, magnésio, fósforo e manganês. “Garantir que micronutrientes não faltem no dia a dia contribui para o funcionamento de todo o organismo”, afirma a nutricionista Inara Santos Nascimento Souza, coordenadora do serviço de nutrição do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista.
Inara explica que eles participam de diversos processos celulares e que a carência pode desencadear desajustes nesses eventos. É como se faltassem pecinhas em um maquinário. Tudo precisa estar em equilíbrio, sem escassez ou excesso, para a regulação do ciclo celular.
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O cálcio pode ser encontrado em lácteos, que devem ser preferencialmente magros (ou seja, pobres em gorduras), e em sementes, como o gergelim. Verduras verde-escuras – como couve, espinafre e rúcula – também concentram o mineral. Já o magnésio está em grãos integrais e nas oleaginosas, isto é, nas amêndoas, nozes e castanhas, tanto a do Pará quanto a de de caju, sem esquecer do nosso amendoim. Aliás, a turma toda é fonte dos dois outros minerais sublinhados no estudo: o manganês e o fósforo. Peixes e feijões completam a lista de fornecedores.
As grandes aliadas
E, como em todo estudo sobre a relação do cardápio com o câncer colorretal, as fibras não poderiam ficar de fora. Aliás, grande parte dos alimentos mencionados acima – à exceção dos laticínios e dos pescados – contém a substância, que é crucial para a integridade do intestino.
Em resumo, as fibras dão uma mãozinha ao trânsito intestinal, combatendo a constipação e reduzindo o contato de mucosas do órgão com moléculas perigosas. Elas são encontradas em leguminosas, grãos integrais, frutas, verduras e legumes. Também zelam pela microbiota, com seus trilhões de micro-organismos que precisam estar na mais perfeita harmonia. “Existem indícios de que a disbiose propicie inflamações”, comenta Ribas-Filho. O médico refere-se à desproporção no ecossistema, com maior concentração de micróbios patogênicos em detrimento de benfeitores.
Junto dos probióticos – leite e iogurtes com bactérias benéficas – as fibras atuam em prol do equilíbrio da flora, incrementando a população de micro-organismos responsáveis pela produção dos ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs). Há indícios, vindos de diversas pesquisas, de que esses compostos teriam ação anti-inflamatória e protegeriam as células intestinais.
O pão na berlinda
A falta de fibra no cotidiano é, portanto, prejuízo na certa. Aliás, é por essa deficiência que o pão branco é colocado, no estudo, ao lado de ingredientes que aumentariam o risco para o câncer colorretal. Mas especialistas fazem ponderações. “Apesar de ter índice glicêmico alto (que resulta na rápida liberação de glicose na corrente sanguínea), ele não costuma ser consumido sozinho”, ressalta a nutricionista Vanderlí Marchiori, de São Paulo. Vanderlí explica que basta um recheio proteico, seja ovo, queijo ou atum, para desacelerar a digestão, atenuando o impacto na glicemia e a liberação desenfreada de insulina, processo ligado a descompassos no metabolismo.
Só não vale recorrer aos embutidos, isto é, salame, salsicha e afins. “Esses, sim, têm relação com o câncer”, diz. O pão não precisa ser banido – até porque evoca tradições –, mas é melhor dar lugar aos tipos integrais. “E que tal variar no café da manhã?”, convida Inara. Panqueca, tapioca ou cuscuz podem fazer parte de um rodízio.
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Conselhos clássicos de maneirar na carne vermelha e evitar bebidas alcoólicas também são reforçados pelos achados do estudo, que comprovam maior risco. O oncologista Thiago Jorge, do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, coloca ainda os ultraprocessados na lista de itens que merecem atenção redobrada. Esse grupo é composto por alimentos e bebidas que, em geral, foram submetidos a métodos mais agressivos de alteração do produto in natura, além da adição de substâncias de uso industrial, como aromatizantes, corantes, conservantes, emulsificantes e outros aditivos. Em comum, há ainda o fato de que costumam carregar grandes doses de açúcar, sódio e gordura.
Salgadinhos, cereais matinais, comida pronta congelada, biscoitos recheados, refrigerantes e néctares são exemplos. “O consumo cotidiano favorece a obesidade e o aumento de inflamações”, comenta. Quando a resposta inflamatória é exacerbada, crônica e persistente, sobe o risco de falhas no funcionamento das células.
Um modelo de cardápio
Segundo Jorge, um plano alimentar que serve de exemplo para a proteção contra tumores é a Dieta da Saúde Planetária. “Entre as recomendações, estão reduzir a carne no dia a dia e ampliar o espaço para alimentos de origem vegetal”, diz.
É o que muitos chamam de cardápio plant-based – na tradução literal, significa “à base de plantas”. Ele privilegia hortaliças, grãos integrais, legumes, feijões, frutas e sementes. Mas contempla ainda pescados, ovos e lácteos magros – tudo em equilíbrio. A dica é apostar em alimentos regionais e sazonais que, além de mais frescos e saborosos, tendem a ser mais nutritivos. Para além das questões à mesa, Inara chama a atenção para a prática de atividade física. “Também é fundamental zelar pela qualidade do sono”, sugere.
Outro recado importante é o de ficar em dia com o check-up médico. As últimas diretrizes indicam fazer a colonoscopia a partir dos 45 anos, mas, aos que têm histórico familiar de câncer, a recomendação é antecipar a análise. O exame flagra desordens intestinais, caso de pólipos. Junto da adoção de um estilo de vida saudável, é a melhor estratégia para prevenir a doença.